domingo, 25 de janeiro de 2009

Amanhã

O hoje separa-me de ti
E tua ausência governa o meu dia,
Um dia inteiro:
Vinte e quatro horas.
O relógio, finalmente,
Substituiu o calendário;
E espero um amanhã
Em nome de todo um mês
Passado.

Amanhã tu estás aqui
E o amanhã já está aqui.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Elisa

Eu gritei aos ouvidos surdos da noite, e meu peito apertou meu coração. Corria como um débil animal perseguido, podia eu sentir meus olhos saltando das órbitas; e o medo. O medo me envolvia aos poucos, justo, como uma coberta grossa. Porém eu sentia frio. E os meus temores dificultavam meus passos: "a iminência, a iminência", pensei. Eu estava entregue ao predador, eu era a caça.
Sua voz de cão ecoou por quarteirões, e percebi que estávamos, de fato, sozinhos. Ele estava bêbado, e aquele estado alterado de consciência o transformara em fera horrenda: os cabelos emaranhados, oleosos de todo o mal do mundo, e o hálito fervente à sede de sangue. Pensei na vida que gerava no meu ventre, nos aspectos que os dois partilhariam. Temi ter o diabo enrolado em minha tripas, alimentando-se de minha energia vital, e tornei-me fraca simplesmente à ideia. Tropecei, então, nos paralelepípedos da rua deserta.
Não quis imaginar meu corpo roliço de prenhe caído no chão, que cena patética deveria ser aquela. Senti uma pontada excruciante na barriga e temi, agora, somente pela vida do meu filho. Refleti sobre a minha infinita estupidez, sobre o risco que eu corria por ter arrancado porta afora de casa daquela maneira. Acaso permanecesse submissa no mesmo local, a surra teria sido leve. Mas fugir despertara nele a fome. Eu captava o ódio nas palavras dele, a loucura. Chorei, estirada no chão, a dor em meu ventre se agravando a cada lágrima. Eu ouvi seus passos, percebi que se aproximava e pude divisar finalmente, no escuro, o contorno de suas botas.
Urrei em decorrência do que veio a seguir: chutou-me o animal umas vinte vezes, desferindo golpes por todo o meu corpo. Acertou-me no rosto, em minha boca, e o jorro de fluido vermelho impediu-me de continuar gritando. Senti que algo mais se esvaía por entre minhas pernas, e morri um pouco ao constatar que era sangue. Quando percebeu que eu havia parado de chorar, carregou-me para a calçada e deixou-me à própria sorte. Tive a impressão de que uma vida se passara antes que eu perdesse a consciência, mas a lua no céu ainda era cheia.


Ó, Deus; e vós fizestes uma Elisa de mim.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Viagens e Improviso

Para os dois:

De tua boca, quis por vezes ter ouvido outras palavras,
Tu sabes que me marca a cada sílaba;
De teus olhos, quis ter surpreendido algum sorriso,
Estás ciente do desafio que me são teus olhares;
De teus braços, quis ter arrancado mais um abraço,
Apenas um abraço a mais, tu sabes;
De teu corpo, quis que ficasse onde pertence, comigo,
Tu bem estás alerta de que de ti preciso.
*
Eu fantasio encontrar-te de improviso num dos meus vãos de vida. Até agora vivi conforme esta maçante ideia predeterminada de pertencermos, os dois, a um só momento. Quero um momento novo, então. Eu aceito o risco do improviso, almejo participar desta cena. Quando compartilhares do mesmo desejo, não hesites, não hesites em procurar-me.
Eu espero.