sábado, 10 de janeiro de 2009

Elisa

Eu gritei aos ouvidos surdos da noite, e meu peito apertou meu coração. Corria como um débil animal perseguido, podia eu sentir meus olhos saltando das órbitas; e o medo. O medo me envolvia aos poucos, justo, como uma coberta grossa. Porém eu sentia frio. E os meus temores dificultavam meus passos: "a iminência, a iminência", pensei. Eu estava entregue ao predador, eu era a caça.
Sua voz de cão ecoou por quarteirões, e percebi que estávamos, de fato, sozinhos. Ele estava bêbado, e aquele estado alterado de consciência o transformara em fera horrenda: os cabelos emaranhados, oleosos de todo o mal do mundo, e o hálito fervente à sede de sangue. Pensei na vida que gerava no meu ventre, nos aspectos que os dois partilhariam. Temi ter o diabo enrolado em minha tripas, alimentando-se de minha energia vital, e tornei-me fraca simplesmente à ideia. Tropecei, então, nos paralelepípedos da rua deserta.
Não quis imaginar meu corpo roliço de prenhe caído no chão, que cena patética deveria ser aquela. Senti uma pontada excruciante na barriga e temi, agora, somente pela vida do meu filho. Refleti sobre a minha infinita estupidez, sobre o risco que eu corria por ter arrancado porta afora de casa daquela maneira. Acaso permanecesse submissa no mesmo local, a surra teria sido leve. Mas fugir despertara nele a fome. Eu captava o ódio nas palavras dele, a loucura. Chorei, estirada no chão, a dor em meu ventre se agravando a cada lágrima. Eu ouvi seus passos, percebi que se aproximava e pude divisar finalmente, no escuro, o contorno de suas botas.
Urrei em decorrência do que veio a seguir: chutou-me o animal umas vinte vezes, desferindo golpes por todo o meu corpo. Acertou-me no rosto, em minha boca, e o jorro de fluido vermelho impediu-me de continuar gritando. Senti que algo mais se esvaía por entre minhas pernas, e morri um pouco ao constatar que era sangue. Quando percebeu que eu havia parado de chorar, carregou-me para a calçada e deixou-me à própria sorte. Tive a impressão de que uma vida se passara antes que eu perdesse a consciência, mas a lua no céu ainda era cheia.


Ó, Deus; e vós fizestes uma Elisa de mim.

9 comentários:

  1. "Rick Wakeman! Rick Wakeman!" - Não tive como não pensar nisso. Não entendi o porquê da última frase, mas devo admitir que o texto foi altamente machão para um começo de filme. Muito violento, pena que lembra Kill Bill.

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  2. O significado do nome Elisa é "feliz". Tá, eu sei que é escroto, mas sei lá... :B

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  3. quem são essa pessoas que comentam no seu blog???
    eu tenho medo delas..

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. O texto tá perfeito, Majú. Fiquei com bastante medo de você quando vi do que se tratava, mas sinto que lerei muitos livros seus um dia...

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  6. Seus textos são super profundos e delicados ao mesmo tempo ,sabia?
    E eu concordo com a sua amiga ai de cima, um dia eu ainda vou ler muitos livros seus :)

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  7. A Rebeca chamou isso de "delicado", tenho medo do que ela pode considerar violento...

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  8. Uu já te disse que não tenho o que comentar... Mas quero marcar presença e aproveito para fazer uma reserva do meu exemplar, autografado e com dedicatória!

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