terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Ver


O crepitar do seu vermelho queima na pele do meu rosto, e a luz que sua força emite conduz meus atos através da ignorância; a cegueira. Meu limite é quebrantado na sua presença:
seu poder confeccionou-me os olhos à razão, fê-los do pó
e tornou-os de vidro. Você vestiu-me por completo de visão,
abriu-me as janelas para o todo que eu não sou.
Sozinho, o seu querer desnudou-me de falhas e despiu-me um universo.
Deu-me o senso, e eu dei ao mundo um sentido.

domingo, 27 de setembro de 2009

Caleidoscópio

Saltam aos meus olhos cores ritmadas, que de tão dançantes e sortidas vestem-me de fluidez luzidia... convidam-me a realizar suas destrezas, sustentam meu corpo fazendo uso de uma força intangível. Agitam-se imprevisíveis, desregradas, fantásticas, descabidas; decerto loucas.
Então mergulho em meu caleidoscópio. Opto por tê-las como únicas companheiras, as cores e a sua inconstância. A liberdade que têm e demonstram me tira o juízo... ou seria a razão? Ensinaram-me que ambos os conceitos não são necessariamente sinônimos, tampouco interdependentes; entretanto ainda não me eduquei a defini-los corretamente, quando separados. Ora, eu sei apenas que flutuo, estou suspensa... mal entendo se existo!
O engraçado é que ainda assim me compreendem. Ou no mínimo me acolhem, brilhantes e sedutoras, durante um espetáculo onde atuo protagonista, coadjuvante ou mera figurante; o que importa é que nunca estou antagônica à ideia principal. Eu sou amparada por essas luzes tão ricas.
E como me confortam! Deito meus problemas em seu manto de inadvertência, de soluções infinitas que nunca se concretizam, sequer duram... cubro-me de descaso: sou feliz. Elas devoram-me, transformam-me por inteiro em nada, então sinto-me plena.
Sei que deixo a incoerente realidade comum para instalar-me noutro mundo surreal. Estou fugindo. Mas desta vez o caos é meu: meu próprio caos simétrico.
Arrisco-me a dizer que me acho.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

terça-feira, 21 de julho de 2009

Obras

O criador à criatura
Se mistura:
Pinta-se a tela com o sangue,
Esculpe-se da própria carne,
Compõe-se do coração
E escreve-se à alma.

Refletem-se
Completos em seus atos
Os artistas,
Não em espelhos;
Nunca em ilusões.

Refletem-nos
Na peça, na canção,
À tinta óleo ou a carvão,
Na realidade
Ou não;
Acima dela.

Expressam-se
E impressionam-nos.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Absurdo Venerável

Ela criou-se do impossível, revelou-me. A mim, que disso já bem sabia. E prosseguiu:
"Moldei-me quando ainda eu era essência (e imaterial incerteza etérea). Usei o barro dos deuses e cachos de anjos. Fiz-me da poeira cósmica e do vácuo absoluto, do Sol e da Lua, de Ártemis e Apolo: construí-me na base do que eu ainda criaria. Nasci da premissa de fé humana, nasci vinculada à minha prepotência; e projetei-me protótipo do universo.
E ainda não me sei ao certo: pois se tudo sou, e nada me sabe, sou mistério insolúvel até que haja mais alguém para perscrutar-me.
Sou o complexo mais grave. Confundo-me ligeiramente com os temores da condição humana: a vida, a morte, a ilusão... o nada. A inexistência e o anticristo. Se eu sou tudo também sou a minha negação? Como posso negar-me sendo eu mesma? Difícil mesmo desvendar-me certa...
Sou o seu Deus, seu Alá, seu Jesus Cristo. Sou Shiva, Brahma e Vishnu.
Sou o poder incomensurável.
Sou.
Sou?
Porque eu sei que dependo daqueles que me veneram para ter um nome.
Então pergunto-me: o que existe anônimo?"

Calou-se. E ela sucumbiu ao anoitecer dos homens.

domingo, 31 de maio de 2009

Ventou

Disse um vento que passou certa manhã:
"Levo o tempo na leveza do ar"
Levou então a si mesmo e elevou-se,
Sumiu para nunca mais voltar.

Brincando, pegou-te.

Às vezes sinto a tua essência no cheiro dos dias,
Com os pássaros até escuto-te a trinar.
Contudo, é sempre para o desengano
Que tantos outros ventos vêm me acordar.

É, perdi a tua presença...
Paciência.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Errei. Erro ainda neste instante. Errarei muitas vezes mais, disso estou bem certa: sempre tropeço nas linhas tortas dos meus atos.
Mas creio que assim seja com todos na vida.
Talvez seja exatamente este o teu medo, que eu, a tua esperança de futuro extraordinário, esteja fadada à existência medíocre dos fracassados. Ou talvez apenas queiras a minha (ainda inalcançável) felicidade. Realmente não sei qual é o teu desejo, nem o teu temor.
De fato, sei que por vezes sou dor ao invés de prazer, frustração e não recompensa, estorvo quando precisas de ajuda. Também sou impotente, pois não consigo transportar-me ao lado direito. Estou simplesmente estática, envolta na inércia.

Peço desculpas... mas não a ti. Quero desculpas de mim mesma, preciso merecer a inocência desvinculando-me totalmente daquilo que me condenou culpada, e até que eu me redima ainda tenho muito chão.

Então não te pedirei nada até que mereça... e temo errar nisso também.
Acho melhor que tu me esqueças!

(Já estou pedindo...)

terça-feira, 5 de maio de 2009

Regras

Nascemos.

Evoluímos entre os dentes,
Criamo-nos para o mundo
Ou dentre mimos e caprichos
Involuímos.

Erramos, aprendemos
Ou tememos nunca aprender;
E para sempre errarmos.

Arrastamo-nos,
Caminhamos,
Passamos a passeio.
Talvez vivamos,
Nunca se sabe.

Duvidamos, esperamos,
Cremos
Assim: variavelmente.

Adoecemos, sofremos,
Curamo-nos,
Somos felizes.

Seguimos e quebramos
As regras
E a certo momento incerto
Paramos,
Deixamos de fazer muito;
Deixamos muitos.

Acabamos.

E nunca sabemos quando,
Nunca saberemos.

Todos nós.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Palavra

Foi uma palavra não dita
Maldita!
Uma palavra que não foi.

Faltou-lhe sair, libertar-se,
Faltou-lhe existir;
Faltou.

E nada se ouviu,
Pois não houve nada!

Talvez agora eu saiba:
Maior impacto tem o discurso escondido

Que não viveu;
Que eu não vivi;
Que não me veio.

terça-feira, 14 de abril de 2009

No Caminho

Esqueci-me no teu peito há tanto tempo, no entanto sequer notei a minha ausência. Ainda moro em ti, e ainda morro. Morro a cada segundo separada de mim mesma e vivo a angústia de não te ter por perto. Existo no limbo de nós dois, entre a minha sanidade e o teu ser tangível. Estou presa entre passado e futuro, enquanto o presente eu ignoro.
Não sei aonde quero chegar, portanto não dou passo algum. Apenas mantenho a ligação ao sentimento morto que nós demos à luz, e vez ou outra enxergo as suas correntes impedindo-me o movimento, seja adiante ou de recuo. Fico apenas parada, pois me atenho à estrada que nunca terminaremos juntos.
Talvez eu pense demais em ti, talvez te sinta de menos. Talvez eu sinta a tua falta no caminho da minha vida: cuido que nunca soube que direção tomar antes de sermos dois... cuido que nunca fui antes de sermos.
E é triste sentir-me impotente diante das possibilidades. Imagino-te cruel, então. Suaviza a dor de não querer amar-te ainda amando. És meu carrasco, agora que me convém. E tu serás carrasco até que eu possa me libertar da tua sombra...
Porque vejo finalmente que há somente a tua sombra comigo. Tu mesmo foste embora há tempos, mudaste o destino repentinamente. Abandonaste o que criamos. Abandonaste-me.
Ainda te quero no meio do meu caminho... quero tropeçar em tua presença.
Aparece!

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Mentira feita

Revolto-me com a tua cara lavada, com tuas mentiras, peças, dramas. Enoja-me esse vício de menosprezar a perspicácia dos outros seres viventes, a tua mania de copiar as virtudes que não te pertencem, a insistência em reinventar a cada cinco segundos todo e qualquer aspecto de tua vida. Odeio-te em todo o teu cinismo, apenas nele, e percebo sempre que engana a ti mesma. Eu posso ler-te como um livro aberto, preto no branco. Eu sei quem tu és.
Enfim cansei-me da tua falta de sinceridade, da tua dissimulação. Logo eu, que gosto tanto de ti! Gosto mesmo, eu te amo. Atribuo-te um valor absurdo, de preciosidade, tesouro. Tu és para mim inigualável, porque te enxergo deveras. Mas não posso dizer mais que em ti confio...
E peço:
Não teças essa teia inescrupulosa. Vive no chão, vive. Vive a tua vida! Essa da qual tu foges a cada vislumbre de liberdade. Imploro-te que não mintas mais...
Porque eu já sei.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Omegle

Stranger: Hello
You: Hallo!
Stranger: How u?
You: Wie geht's dir?
You: Wo wohnst du?
Stranger: Sorry, only speak English
You: Seulement anglais?
You: Isso não é bom...
Your conversational partner has disconnected.

*

You: Boo!
Stranger: hi
Stranger: q
You: I'm dead
You have disconnected

*

Stranger: 41
You: 41?
You: Is that a game?
You: Ok... I got it...
Stranger: yeah
You: 42!
Stranger: i'm winner
Your conversational partner has disconnected.

*

Stranger: hi!
You: Quem és tu?
Stranger: what, is that french?
You: Eu posso entender-te, mas a ti sobra a ignorância
Stranger: spanish?
You: Quem é o subdesenvolvido agora?

:B

sexta-feira, 27 de março de 2009

Boneca

Fiz-me inteira em porcelana, há tempos.
De propósito...
Eu quis, então virei boneca.
Pintei meu rosto,
Trancei os cabelos,
Fechei a boca,
Emudeci.
Vivi estátua
E não vivi:

Era o enfeite da sua mesa de cabeceira
E assistia a seu despertar
Calada, quieta,
Como eu podia.

Então de você me enraiveci,
Pois levantava e sumia!
(Eu ainda me pergunto aonde ia)

Mas ontem, meu rapaz,
Chegou o dia.
E eu ecoei um surdo "basta!" em minhas vísceras.

Espiei o precipício do seu móvel,
Atirei-me ao chão a meu modo inverossímil,
Explodi em mil pedaços de carne e osso.

Agora acho que acordei humana.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Resposta

Siempre que te pregunto
Que, cuándo, cómo y dónde
siempre me respondes
Quizás, quizás, quizás
Y así pasan los días
Y yo, desesperando
Y , contestando
Quizás, quizás, quizás
Estás perdiendo el tiempo
Pensando, pensando
Por lo que más quieras
¿Hasta cuándo? ¿Hasta cuándo?

Entre nós é sempre talvez, e o que há de concreto mesmo é o nunca. Vivermo-nos seria bom de quando em vez; preciso da tua influência na minha rotina, das tuas palavras formando a minha voz. Adivinhar as tuas reações é meu passatempo mais querido, e constantemente me pego pensando o que farias tu em meu lugar. Quando estou aqui e estás lá, e quero falar-te em pensamentos, finjo que me respondes seco da distância, mas não me importo: tua voz acalma-me até quando vinda de mim mesma, e eu durmo tranquila às noites vazias.
Mas estes dias fizeram-me outra. Alguém distante. Distante de ti, talvez até de si mesma. Não me sinto confortada apenas te imaginando, e desconfio que me perdi da tua essência. Não sei mais quem és tu na minha vida, e então temo por nós dois e por nossos caminhos. Esta falta de ti reprogramou minhas tendências e eu vivo outra vida: uma vida isenta da tua consciência. Eu vivo sozinha agora, e nem mesmo a tua invenção me acompanha.
Eu sinto a tua falta como não te sinto mais. E ainda imagino-te sempre incongruente com o fatual. Agora quero mesmo a tua presença, o que tu tens de tangível. Preciso de teus dedos, teus cabelos, braços, unhas, lábios: o teu corpo. Quero a tua voz roçando a minha pele e condicionando a minha resposta. Um sim ou um não. Deixemos "talvez" para nunca.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Amanhã

O hoje separa-me de ti
E tua ausência governa o meu dia,
Um dia inteiro:
Vinte e quatro horas.
O relógio, finalmente,
Substituiu o calendário;
E espero um amanhã
Em nome de todo um mês
Passado.

Amanhã tu estás aqui
E o amanhã já está aqui.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Elisa

Eu gritei aos ouvidos surdos da noite, e meu peito apertou meu coração. Corria como um débil animal perseguido, podia eu sentir meus olhos saltando das órbitas; e o medo. O medo me envolvia aos poucos, justo, como uma coberta grossa. Porém eu sentia frio. E os meus temores dificultavam meus passos: "a iminência, a iminência", pensei. Eu estava entregue ao predador, eu era a caça.
Sua voz de cão ecoou por quarteirões, e percebi que estávamos, de fato, sozinhos. Ele estava bêbado, e aquele estado alterado de consciência o transformara em fera horrenda: os cabelos emaranhados, oleosos de todo o mal do mundo, e o hálito fervente à sede de sangue. Pensei na vida que gerava no meu ventre, nos aspectos que os dois partilhariam. Temi ter o diabo enrolado em minha tripas, alimentando-se de minha energia vital, e tornei-me fraca simplesmente à ideia. Tropecei, então, nos paralelepípedos da rua deserta.
Não quis imaginar meu corpo roliço de prenhe caído no chão, que cena patética deveria ser aquela. Senti uma pontada excruciante na barriga e temi, agora, somente pela vida do meu filho. Refleti sobre a minha infinita estupidez, sobre o risco que eu corria por ter arrancado porta afora de casa daquela maneira. Acaso permanecesse submissa no mesmo local, a surra teria sido leve. Mas fugir despertara nele a fome. Eu captava o ódio nas palavras dele, a loucura. Chorei, estirada no chão, a dor em meu ventre se agravando a cada lágrima. Eu ouvi seus passos, percebi que se aproximava e pude divisar finalmente, no escuro, o contorno de suas botas.
Urrei em decorrência do que veio a seguir: chutou-me o animal umas vinte vezes, desferindo golpes por todo o meu corpo. Acertou-me no rosto, em minha boca, e o jorro de fluido vermelho impediu-me de continuar gritando. Senti que algo mais se esvaía por entre minhas pernas, e morri um pouco ao constatar que era sangue. Quando percebeu que eu havia parado de chorar, carregou-me para a calçada e deixou-me à própria sorte. Tive a impressão de que uma vida se passara antes que eu perdesse a consciência, mas a lua no céu ainda era cheia.


Ó, Deus; e vós fizestes uma Elisa de mim.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Viagens e Improviso

Para os dois:

De tua boca, quis por vezes ter ouvido outras palavras,
Tu sabes que me marca a cada sílaba;
De teus olhos, quis ter surpreendido algum sorriso,
Estás ciente do desafio que me são teus olhares;
De teus braços, quis ter arrancado mais um abraço,
Apenas um abraço a mais, tu sabes;
De teu corpo, quis que ficasse onde pertence, comigo,
Tu bem estás alerta de que de ti preciso.
*
Eu fantasio encontrar-te de improviso num dos meus vãos de vida. Até agora vivi conforme esta maçante ideia predeterminada de pertencermos, os dois, a um só momento. Quero um momento novo, então. Eu aceito o risco do improviso, almejo participar desta cena. Quando compartilhares do mesmo desejo, não hesites, não hesites em procurar-me.
Eu espero.